Madalena: do vazio à totalidade

Ao longo das Sagradas Escrituras verificamos que algumas mulheres aparecem e suas histórias são impressionantes. Algumas são marcadas pela coragem, outras pela ousadia, outras ainda pela lealdade e poderíamos seguir com muitos outros adjetivos. Contudo, Maria Madalena reúne todos estes atributos e empreende inúmeras virtudes, mesmo que sua figura apareça tão pouco nos relatos evangélicos.

De Maria Madalena apenas sabemos que foram tirados sete demônios (Lc 8,2), próximo da cruz ou diante da cruz (Jo 19,25) viveu a fidelidade sem limites e que na manhã da ressurreição esteve como primeira testemunha do Senhor (Jo 20, 9-18). Mas como tão poucos relatos atestam a grandiosidade desta mulher? Quando lemos as passagens bíblicas que fazem menção à Maria Madalena facilmente encontramos Jesus. Nela, nunca buscou-se uma projeção ou elevação de sua pessoa. Foi sempre uma busca incessante Dele, que era capaz de significar e transformar a vida, conforme será o grande desejo da cidadã de Magdala.

São inúmeras as reflexões que provocam diversas inspirações sobre Madalena. Vejamos algumas:

1) dela foram expulsos sete (7) demônios. Este número indica a totalidade, plenitude. Sendo dela expulsos os sete, abre-se a perspectiva que a totalidade do preenchimento agora dá espaço ao absurdo do vazio. Talvez seja por isso que Maria enfrentou tudo e todos (dos pés da cruz à manhã da ressurreição, quando praticamente todos fugiram);

2) Outros comentadores das Sagradas Escrituras dirão que este número sete remete às muitas vezes que Madalena foi e voltou no processo de seguimento. É um itinerário que não seguiu de maneira totalmente fácil ou tranquila, mas que foi de muita luta e de persistência diante dos muitos obstáculo, inclusive na batalha interior para garantir uma vida nova.

3) Ao longo da história da Igreja muito inventou-se, por diversas pessoas, ao associar Maria de Magdala à mulher adultera, o que nos Evangelhos não traz identificação alguma (seria uma fake News bíblica).

4) Em todos os Evangelhos ela encontra-se aos pés da Cruz ou próxima da Cruz (Jo 19,25). Somente um amor verdadeiro e fiel é capaz de enfrentar os perigos de ser associada ao Crucificado, inclusive não sendo parente consanguínea dele.

5) Vai de madrugada ao encontro do Senhor morto, para dar a dignidade das últimas despedidas e dos ritos fúnebres, dentro de suas possibilidades (Jo 20,1). Mas é necessário recordar que a madrugada não é apenas uma linguagem temporal e cronológica. Ela inspira um movimento da vida espiritual que indica confusão, perplexidade, busca, não compreensão do momento. Madalena vive a madrugada existencial, ou seja, ainda não debruçou-se no Mistério, fazendo-a uma buscadora intensiva.

6) Nossa personagem vai na comunidade buscar o discernimento. Chega e diz aos discípulos: “Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram” (Jo 20, 2). Em outros momentos o Senhor já havia dito: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt 18,20). Talvez ela tenha se recordado disso e tenha voltado para a comunidade. É impressionante que ela busca na comunidade as suas respostas, até mesmo o seu consolo. Foge dela a vanglória de buscar as respostas por ela mesma ou a vaidade de bastar-se a si própria em suas conjecturas.

7) O texto dirá que um discípulo corre mais, o outro discípulo corre menos (Jo 20, 4). De Maria Madalena apenas se diz: “E Maria estava chorando fora, junto ao sepulcro. Estando ela, pois chorando, abaixou-se para o sepulcro” (Jo 20, 11). Os verbos estar e chorar repetem-se duas vezes. Quase como que dizendo: realmente era dor, realmente ela estava lá, realmente era amor ao Redentor.

8) Ela vê e dialoga com dois anjos. Eles lhe dizem: “Mulher, por que choras?” e a resposta dela não foge da sua real busca: “Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram” (Jo 20,13). Ela não se encanta com a cena angélica. Esta mulher sabe quem e o que quer: somente o seu Senhor será capaz de plenificar a sua vida. Nada mais é capaz de roubar sua atenção. Ela tem olhos e coração fixos em encontrar o Senhor.

9) Ela que tanto procurou, finalmente é encontrada (Jo 20, 16), é chamada pelo nome, ela professa sua fé: Kyrios (Senhor). Ela encontra o Senhor das misericórdias e percebe que a ternura iluminou sua vida para sempre. A presunção de Eva a fez colher inescrupulosamente dos frutos da Árvore da Vida. Madalena em sua sede de compaixão, abraça os pés (Jo 20, 17), fazendo a experiência da busca da seiva verdadeira da majestosa e plena Árvore da Vida (que ninguém roubará do fruto, Ele se dá como oferecimento de Salvação), da revelação do Mistério, do Amor que é encontrado e significa a existência. “Era ele a quem Maria Madalena procurava exteriormente; entretanto, era ele que a impelia interiormente a procurá-lo” (Das Homilias sobre os evangelhos, de São Gregório Magno).

10) Por fim, Maria é convidada pelo Mestre a indicar um caminho aos outros Apóstolos: “Vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”. É um convite a sentir-se irmão, irmão, filho, filha e participante do projeto de Jesus Cristo. Em outras passagens paralelas é dito: “Não temais; ide dizer a meus irmãos que vão à Galileia, e lá me verão” (Mt 28, 10). A Galileia é o lugar dos primeiros chamados (Lc 5,11), o lugar do primeiro Amor. Associar Maria Madalena a estas inspirações é ligá-la a alguém que tem por missão testemunhar o amor que cura, que plenifica, totaliza, significa e configura o verdadeiro sentido que move toda nossa inspiração de seguimento e de permanência Nele e no seu amor (Jo 15, 9).

Maria Madalena é sinônimo de busca, de coragem, de lealdade, de desejo, de vontade, de fidelidade, de fome e sede do infinito, de escuta atenta e de coração aberto. Sua certeza de ter encontrado o sentido de sua vida, arrastou da inércia à pressa de ser amada e amar, como nenhum outro Amor será capaz de legitimar e inspirar a caminhada por toda vida.

Padre Valdecir Ferreira

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